Paraná

Ocupação de fazenda fundada por missionários contesta função social da terra; vídeo

Sem decisão judicial até o momento, a ocupação da Fazenda Santa Fé, na Estrada Cascata, em Xambrê, chegou ao terceiro dia nesta segunda-feira (29). A área rural, com 942 hectares e localizada próxima a uma grande área de mata nativa, foi ocupada no início da tarde de sábado (27) por cerca de 250 pessoas ligadas à Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e ao Movimento Terra e Alimento (MTA).

Desde então, equipes do 25º Batalhão da Polícia Militar permanecem mobilizadas para acompanhar os desdobramentos e evitar confrontos. A corporação informou ainda que mantém diálogo permanente com representantes do grupo ocupante e com a administração da fazenda.

A reportagem do OBemdito esteve na fazenda entre a manhã e a tarde desta segunda-feira. No local, há barracas montadas, cozinha coletiva e presença de homens, mulheres e crianças. Parte dos ocupantes já vivia há até 12 anos em uma área conhecida como acampamento Monte Sinai, localizada nos fundos da propriedade. Atualmente, apenas um dos quatro caseiros da fazenda permanece no local, junto com a família, para cuidar de um rebanho estimado em cerca de 2 mil cabeças de gado.

Argumentos do movimento

Representante dos ocupantes, Geraldo Pires de Oliveira afirma que a ocupação tem como base o entendimento de que a propriedade não cumpre sua função social. “Nós estamos organizados em dois movimentos que ocuparam essa área por entender que ela não cumpre a função social”, disse.

Segundo ele, a fazenda estaria vinculada originalmente à Igreja Betânia, mas teria perdido, ao longo do tempo, seu caráter religioso e social. “Ela é tida como uma congregação, uma igreja, mas no decorrer do tempo perdeu esse significado. Hoje se transformou em outra coisa”, afirmou.

Sede da Fazenda Santa Fé, fundada por missionários nos anos 1950, hoje é centro de disputa sobre a função social da terra

Oliveira sustenta ainda que a área foi vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e classificada como improdutiva. “Essa região é de fronteira. Em grande parte do Brasil, essas terras são devolutas da União e devem ser destinadas à reforma agrária”, declarou, dizendo ainda à reportagem, que caso o movimento permaneça no local, a ocupação pode ser batizada de Acampamento Nelson Mandela e que este seria destinado para mais de mil famílias.

Posição da administração da fazenda

A fazenda é administrada pela organização Colaboradores do Brasil (Colab). Representante da entidade, Wesley Oliveira afirma que a propriedade possui documentação regular e que já houve disputa judicial envolvendo o Incra.

“Temos todas as áreas com documentação legal. Inclusive houve um processo levantado pelo Incra há alguns anos, que passou por todas as instâncias, inclusive o Supremo Tribunal Federal, dando ganho de causa para a fazenda”, disse.

Segundo ele, diante desse histórico, não haveria possibilidade de desapropriação pela via administrativa. “Estamos apenas aguardando a reintegração de posse”, afirmou.

Área ocupada abriga criação de cerca de 2 mil cabeças de gado e mantém parte das atividades rurais em funcionamento

Atuação policial e registro de ocorrência

Na última conversa do dia entre representantes do grupo ocupante e da fazenda, acompanhada pela Polícia Militar, houve autorização para a retirada de bens da propriedade. A Colab, no entanto, informou não ter local para onde encaminhar os itens.

O capitão José Carlos Francelino Junior, do 25º BPM, informou que será confeccionado boletim de ocorrência sobre a reunião e reforçou que a atuação policial tem caráter preventivo.

“Nossa missão é garantir a segurança de todos os envolvidos e evitar qualquer tipo de confronto enquanto o caso segue pelas vias legais”, afirmou.

Defensoria e preocupação humanitária

A Defensoria Pública do Paraná encaminhou pedido ao secretário da Segurança Pública do Paraná, o coronel Hudson Leôncio Teixeira solicitando cautela em qualquer medida de desocupação, destacando a necessidade de respeito aos direitos humanos e à proteção de grupos vulneráveis. O documento ressalta a presença de crianças, idosos e pessoas com deficiência no local e pede que eventuais decisões considerem protocolos humanitários e diálogo institucional.

Barracas montadas na Fazenda Santa Fé abrigam famílias com crianças, idosos e trabalhadores rurais

A advogada do movimento, Amanda Mackert dos Santos, afirmou que participa de reuniões com o Incra e outras autoridades. “Minha preocupação, como advogada constituída, são as vidas de crianças, idosos, pessoas com deficiência e cadeirantes que se encontram abrigadas na ocupação. Neste momento, o bem-estar das famílias e a integridade física são nossa prioridade”, declarou. Segundo ela, somente após reuniões com o Incra será possível avaliar o interesse do órgão na área.

Histórico da fazenda

Segundo informações institucionais da Colab, a Fazenda Santa Fé foi criada nos anos 1950 por missionários norte-americanos, com foco inicial na agricultura e em projetos sociais. Ao longo das décadas, a organização afirma ter investido em infraestrutura regional, educação e ações comunitárias, migrando posteriormente para a pecuária de corte.

Na sede da fazenda, quadros e registros históricos apontam que o local nasceu do desejo de seu fundador, George Hartley Pidcoke, de transformar a área em reserva ecológica e orfanato. Engenheiro mecânico formado no Texas e ex-funcionário de uma fábrica de motores para a Nasa, Pidcoke dedicou a vida ao trabalho missionário no Brasil.

Uma das casas da fazenda traz a inscrição de que foi construída para funcionar como orfanato, projeto iniciado em 1961. George e sua esposa Faith viveram no local com dez filhos, biológicos e adotivos. Ele residiu na fazenda até 2016, um ano antes de morrer. O pastor Maurício Sand e sua esposa, Verna Sand, que também ajudaram na missão estão enterrados no fundo da capela da fazenda.

Impasse segue

Sem decisão judicial até o momento, a ocupação segue, acompanhada pelas forças de segurança. O Incra, a Justiça Federal e outros órgãos ainda avaliam os pedidos apresentados. Enquanto isso, famílias permanecem acampadas na área, e a fazenda segue sob vigilância, em um conflito que mistura disputa jurídica, memória histórica e reivindicações sociais.

Cozinha coletiva montada pelos ocupantes prepara refeições para famílias acampadas na Fazenda Santa Fé, em Xambrê

(Com imagens de Vagner Delaporte/OBemdito)

Rudson de Souza

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