Idoso surdo encontra no trabalho e na escola a receita para seguir ativo
Exemplo de vitalidade e persistência, Joaquim de Almeida, de 84 anos, não deixa que idade e deficiência limitem sua rotina
O dia a dia do idoso surdo Joaquim de Almeida, 84 anos, poderia ser da calmaria da aposentadoria. Mas o morador de Umuarama prova que idade e deficiência não são barreiras para manter uma vida ativa cercada de amizades e boas histórias.
Surdo de nascença, Joaquim nunca deixou de trabalhar, estudar e, principalmente, cultivar laços com quem cruza seu caminho. Até um tempo atrás, ele percorria as ruas da cidade catando e vendendo papelão.
A família, preocupada com o esforço físico, pediu que abandonasse a atividade. O vazio da rotina, porém, trouxe sinais de tristeza e ansiedade. Foi então que surgiu uma alternativa: vender cartões de mudo pelo centro da cidade.
Dois ou três dias por semana, lá está Joaquim, caminhando quilômetros pelas ruas, quase sempre passando pelo ponto que mais gosta — entre a loja Max Shop e a lanchonete Face-Burg, na Avenida Paraná.

No local, mantém uma amizade de mais de dez anos com funcionários, que o recebem com café, água e boas risadas. “Ele é uma pessoa muito querida”, diz o fiscal da Max Shop, Givaldo dos Santos.
Os proprietários da Face-Burg, Gislene e Edmar Alves de Souza concordam. “Ele chega sempre animado e por isso é sempre bem-vindo”, confirma Edmar.


No centro da cidade, Joaquim de Almeida percorre quilômetros vendendo cartões de mudo
Para idoso surdo, estudo gera alegria
Apesar de vender pouco [cartão de mudo], Joaquim não se abala, porque, para ele, essa atividade é sinônimo de liberdade e alegria, é oportunidade de estar em movimento, conhecer gente e se sentir ativo.
Quando perguntado se gosta de trabalhar, responde com um sinal simples, mas carregado de significado: o polegar levantado em sinal de joia. A mesma resposta se repete quando a pergunta é sobre os estudos.
Isso porque, à noite, Joaquim é aluno, há 11 anos, do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Colégio Souza Naves. “Disso, não abre mão; ele se realiza na escola… Vai e volta muito alegre!”, diz a sobrinha Marina Paz, com quem mora desde 2017.

Na escola, nas noites de segunda a sexta, Joaquim tem a sorte de ter uma professora fluente em Libras e que o admira muito. “Ele é um amor de aluno”, exclama a Valdineia Romano da Silva, a Professora Néia, que adapta as lições para o idoso.
Segundo ela, Joaquim é exemplo de aluno bem comportado. “Não falta, não chega atrasado, gosta de socializar, faz as lições sem reclamar, enfim é muito querido… Querido por todos”, atesta a pedagoga, que é pós-graduada em Educação Especial.

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Independência é sua marca registrada
Acostumado a andar sozinho, Joaquim também não vê problema em pegar o ônibus para seus compromissos. No dia da reportagem, no entanto, foi Marina quem o acompanhou, ajudando a contar um pouco da trajetória desse respeitado personagem da cidade.
“Ele nunca se casou, não tem filhos… As irmãs dão o suporte que ele precisa, zelam pelo seu bem-estar”, conta Marina, que acompanhou a entrevista, traduzindo as conversas.

Segundo ela, a independência segue sendo sua marca registrada: “Faz tudo sozinho: as refeições, o banho… Inclusive pega o ônibus para seus compromissos sem precisar do apoio de ninguém”.
Para ela, a rotina de seu tio mostra que envelhecer não significa parar, e que a surdez nunca foi motivo para deixar de viver com intensidade: “Ele é a prova viva disso”, exclama.
Entre as caminhadas pelo centro, as aulas noturnas e as amizades cultivadas ao longo dos anos, o idoso surdo segue escrevendo sua própria história. “Eu gosto de trabalhar, gosto de estudar e gosto de estar com as pessoas; é isso que me deixa bem”, diz, sorrindo, por meio da tradução da sobrinha.


Cartão de mudo que Joaquim vende mais por prazer do que pela renda












