Artista de Umuarama celebra a cultura em bordados que retratam paisagens e tradições paranaenses
Com linha e agulha e muita criatividade, Ronaldo Moreira 'desenha' em tela memórias de suas vivências; trabalhos são expostos Estado afora
As cores vibram no trabalho do artista Ronaldo Moreira, 62 anos. No sobe e desce da agulha, conduzindo as linhas que vão desenhando paisagens e outros elementos emblemáticos, ele presta homenagem à diversidade da cultura brasileira, valorizando as festas e os costumes tradicionais. Tudo com muita sensibilidade, obedecendo as regras do bordado, arte milenar que nunca perdeu o encanto.
“Minha arte é engajada”, assegura o artista, que é mestre artesão autodidata. “Ao tempo em que retrato uma quermesse diante de uma igreja ou qualquer outra cena, procuro desconstruir preconceitos, provocar debates sobre raça, gênero, religião e direitos e ressaltar as belezas do Brasil”, justifica Moreira. Ele recebeu a equipe d’OBemdito na sala de sua casa, sentado num sofá coberto com uma manta toda feita de fuxico.
“Eu que fiz”, revela, todo contente. “Tem 4,6 mil fuxicos nesta manta! Também fiz uma colcha, que leva 3,6 mil fuxicos. Foi um trabalho que exigiu muito capricho, tempo e, claro, habilidade… Fazer todos esses fuxicos um a um foi um desafio que enfrentei e o resultado é esta formosura!”, comenta, apontando para a obra.
Fuxico à parte, o forte do bordador são os clássicos pontos corrente, cheio, aste, atrás, folha, rococó, nó francês, matisse, entre outros, geralmente em telas [do tipo usado por pintores]. Também faz pequenas peças em tecido, recorta e cola em tampinhas de garrafa, que se tornam ímãs de geladeira; em latinhas vazias de sardinha, viram minioratórios; e em minibastidores, colares.
“Amo bordar! Bordo desde os 6 anos de idade! Aprendi com minha mãe, que aprendeu com minha avó”, exclama. Natural de Entre Folhas/MG, ele se mudou para Umuarama em 2017 [veio da cidade de São Paulo, onde trabalhava na Secretaria Municipal de Cultura]; e diz que aqui tem encontrado tranquilidade e inspiração para seguir a vida com sua arte, bordando e ensinando.
“Desenvolvo projetos e ministro oficinas que reúnem gente de toda idade, da periferia, de aldeias indígenas, assentamentos de sem terra e quilombolas; costumo ir longe para compartilhar o que sei, incentivando a geração de emprego e renda, no contexto da economia solidária”.
Nessa missão, seu projeto ‘bordado terapêutico’, que promove saúde mental, também tem boa repercussão; este tem contemplado professores, gestores, trabalhadoras rurais, entre outros profissionais.
E promete mais um projeto arrojado: criar o ‘inventário do bordado’. “Pretendo estudar, interpretar e configurar toda a cadeia produtiva do bordado brasileiro”, explica, mostrando um quadro que considera especial. “Este será exposto em Belo Horizonte/MG, no 4o Encontro de Bordado Educação e Sustentabilidade, agendado para setembro, que vai reunir vários artistas ‘naifs’ brasileiros”, avisa.
O quadro estampa uma Nossa Senhora Aparecida rodeada de igrejas e araucárias; e, sob a cabeça da santa, um cordão de bandeirolas coloridas, de festa junina, reforça a mensagem. “Levei 40 horas para fazê-lo! Gosto dele porque notabiliza a essência da minha arte, produzida na minha ‘casateliê’, lugar onde encontro muita paz e alegria”.
Memórias afetivas
Embasado em sua intimidade com a linha e a agulha, nos seus ideais e nas suas memórias afetivas, Ronaldo reúne um acervo interessante de quadros bordados, que costuma levar para expor em diversas cidades. E vende. “Vivo disso”, orgulha-se.
Entre os elementos que compõem os cenários dos seus quadros estão, recorrentes, araucárias, Nossa Senhora Aparecida e igrejas de vários municípios paranaenses [geralmente a primeira que surge na comunidade escolhida para ser retratada].
A de Umuarama [a matriz São Francisco de Assis] ainda não bordou, mas já está nos planos dele. “Farei, também, com todo capricho”, promete. “Ilustrando livro meu bordado também já está”, acrescenta na conversa, avisando que no início do próximo mês [07/06] fará exposição individual no Museu de Arte de Cascavel (MAC).