O dramático começo de Umuarama antes do desenvolvimento urbano chegar…
Tomemos como referência o antigo “Baixadão”, um dos principais pontos do comércio
Nestes novos tempos, quem passeia de carro ou a pé pela Avenida Paraná, no trecho entre a Rua Ney Braga e a Praça Santos Dumont, aprecia o movimento nervoso do trânsito, da efervescência do comércio e das agências bancárias.
E nem imagina que no passado, lá pelos idos de 1954, esse lugar era aquilo que se pode chamar de ‘fim do mundo’ de tão feio, difícil de percorrer e exalando um forte odor de algo podre no ar… É verdade, era realmente uma imagem desoladora, seja em tempos de calor como em época de chuvas e frio.
Esse pedaço de chão, até porque nem habitado estava nos primeiros anos, era chamado de “Baixadão” pelos mais antigos. Mesmo sendo a outra extremidade da artéria principal do traçado urbano criado pela colonizadora, o trecho ficava em segundo plano se comparado com o primeiro “centro nervoso” de Umuarama, a área localizada ao redor do primeiro ponto de ônibus, atual Praça Arthur Thomas.
Mas para o então famigerado “Baixadão”, os mais esperançosos e crentes no desenvolvimento da cidade, previam que pouco a pouco iria se transformar numa região valorizada para onde afluiriam os comerciantes que continuavam a chegar apostando na cafeicultura. E isso realmente aconteceu…
Mas, o epicentro desta crônica são as diversas fases pelas quais atravessou esse quarteirão da avenida, que foi melhorando pouco a pouco com o correr dos anos. Em princípio, ali existiam matagais em suas margens, parecendo um estradão no meio de um descampado abandonado, do qual emergia aquele tal ‘redondo de árvores’ de que já falei, a “Praça das Perobas”.
Depois, conforme a colonizadora foi vendendo lotes urbanos, foram surgindo construções comerciais, estas já erguidas com tijolos e cimento, ou seja, mais resistentes que as antigas feitas de madeira de peroba.
O diferencial desses prédios, geralmente de quatro a seis portas, era que os pedreiros tinham que fazer muretas na entrada do estabelecimento. Como não havia asfalto e muito menos calçadas, quando chovia aquele “Baixadão” virava uma imensa lagoa de água suja e barro.
E, mesmo assim, quando as chuvas eram pesadas demais e o volume de água extrapolava, as lojas eram invadidas, dando um trabalhão para a limpeza dos imóveis (os mais precavidos, deixavam as mercadorias em cima de balcões e prateleiras, evitando prejuízos). Ali desembocava toda a enxurrada das chuvas que vinha lá do alto da Praça Arthur Thomas.
A velocidade das águas rasgava o arenito caiuá, formando imensas crateras na descida da avenida. E com ela vinham aquelas montanhas de lixo que se espalhava ao longo da via. Fatalmente, tudo isso se acumulava cá em baixo.
Para se ter uma idéia do caos que se estabelecia a cada chuvarada, basta recordar que, primeiro, era preciso esperar uns dois dias para aquele barro secar um pouco, para ser retirado do local. Mas, muitos dejetos, corroídos pelas águas, desciam pelos poros do areal. Resultado: o forte odor, com o calor, transformava a área num lugar asfixiante, podre mesmo. De noite, até sapos passeavam por ali sob a lua cheia… Era realmente um Deus nos acuda!
O outro grande problema, por causa da falta do asfalto (algo impensável naquele período da colonização), era o atoleiro terrível que surgia após os temporais. Poucos se salvavam do drama de encalhar até a alma. Não é surpreendente que naquele tempo quem tinha um caminhão-guincho faturava alto para socorrer as vítimas.
Era um negócio da China… Quem andava a pé, então, emporcalhava as botinas e as canelas. Não é à toa que os farmacêuticos da época diziam que as micoses nos pés eram comuns e quase todo mundo pegava essa coceira danada, que para complicar ainda mais estava associada ao desagradável chulé…
No verão causticante, a situação se invertia. A passagem constante de jeeps, carroças e caminhões, com seus pneus criavam ‘facões de areia’, onde os motoristas mais inexperientes fatalmente atolavam depois de patinar muito até soltar fumaça pelo motor e pneus… E ninguém escapava da poeira, que passeava de cima abaixo da avenida ao sabor dos ventos, sujando tudo e todos que encontrava pela frente.
Era praxe os comerciantes apressados fecharem as portas quando isso ocorria, senão suas mercadorias ficavam completamente cobertas pelos grãos de areia fina. Como no passado era costume pendurar confecções e outros artigos na frente das lojas para atrair a clientela, era um corre-corre danado para tirá-las de uma hora para outra. “Lá vem areia!!!”, gritavam as vendedoras, apavoradas para esconder as roupas antes que o vento-poeira levasse tudo… Também incomodava muito aquele cheiro forte de poeira, coitado de quem fosse alérgico! Parece incrível, mas até os telhados ficavam parcialmente cobertos de areia…
Pode parecer agradável ler esses relatos, mas as situações pelas quais os umuaramenses passaram naqueles momentos, e ao longo de muitos anos, eram dignas de choro e de súplicas para a cidade um dia ganhar o asfalto (‘pavimento’, se dizia) que parecia não chegar nunca. (ITALO FÁBIO CASCIOLA)