Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

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A histórica praça e as tardes de domingo já não são mais as mesmas…

A vida de Umuarama e a nossa vida começaram nesse ponto de encontro dos amigos

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole
A histórica praça e as tardes de domingo já não são mais as mesmas…
Ítalo Fábio Casciola
OBemdito
13 de abril de 2024 18h18

Já não se fazem mais retretas como antigamente. Ou, pior, elas já nem existem mais e os nossos jovens, arrisco dizer, nem sabem o que eram. Essa é uma daquelas tradições que se perderam no tempo, entre tantas outras, que os anos levaram para o infinito. Mas, os nossos distintos leitores “de meu tempo”, já cinquentões ou aqueles mais idosos ainda, sabem muito bem do que estou dizendo, ops!, digo escrevendo….

Não há quem, nos anos 1950 e 60, não tenha assistido aquelas apresentações das bandas de música nas praças públicas, em algumas cidades nas tardes de sábado, em outras, aos domingos. Aqui, por exemplo, a nossa Banda 26 de Junho uma vez por outra comparecia à Praça Arthur Thomas para presentear os nossos viventes da época com o que havia melhor do cancioneiro popular, aqueles clássicos compostos por gênios da música brasileira celebrando o amor, a alegria, a dor de cotovelo, a beleza da mulher, as paixões e a candura dos antigos namoros no portão. Enfim, canções eternizadas no imaginário das gerações do século passado.

Era moda no Brasil inteiro uma praça ter ao centro um coreto, uma construção redonda de madeira ou alvenaria, com um palco coberto, onde se apresentavam grupos de música e cantores “pratas da casa” naqueles curtos concertos musicais; também serviam para comícios, cultos e manifestações populares diversas. E até hoje eles são usados para tais fins.

Aqui em Umuarama, para alimentar aquela cantilena de que habitamos a cidade dos paradoxos que sempre estou a repetir em minhas crônicas, a nossa amada pracinha não tinha um coreto! Mas, com ou sem coreto, eu lembro que os músicos da banda iam lá tocar.

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

O pior é que naquele tempo aquele logradouro não possuía árvores (vejam só aí mais um paradoxo – na terra dos imensos bosques de perobas, derrubados a machadadas, agora a cidade era um descampado sem uma sombra sequer!) e os instrumentistas tinham que improvisar uma barraca de lona, armada no meio daquela área calçada. Mas, tudo bem. Quem ia tomar sol na “jaca” mesmo era o público, então…

A música começava lá pelas quatro horas da tarde. O gentio, que depois do almoço havia tirado aquela soneca dominical, não perdia a diversão por nada. Prestigiava mesmo. E tinha plateia de todas as idades: crianças, jovens e idosos. Era mesmo um encontro de famílias, num tempo em que todos se conheciam e tinham algo em comum: a música.

Para cada gosto, uma melodia, fosse ela marchinha de carnaval, uma valsa romântica, um vibrante dobrado, um bolero triste e, claro, as divertidas modinhas lá das Minas Gerais ou os ritmos acelerados dos nordestinos. Valia tudo para agradar a freguesia, que, aliás, não pagava nada pelo espetáculo.

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

Agora, depois de tanto tempo, avalio a importância daqueles momentos de magia proporcionados pela Banda, concluindo que a música é realmente incrível e exerce a função de um imã com o poder de atrair a grande parte de uma coletividade para ver, ouvir, aplaudir e se sentir parte de um espetáculo, ao ponto de se imaginar no lugar de um dos músicos tocando um instrumento.

É um tipo de atração de mão dupla: a alegria dos que tocavam se misturando à euforia dos que ouviam, numa interatividade coletiva e de afetividade com a arte musical, mesclados ao prazer do cultivo da cultura e do entretenimento.

É nesses encontros familiares em praça pública que se criava uma áurea despertando a sensibilidade dos mais velhos e a curiosidade dos mais jovens, fatos que confirmavam a Praça Arthur Thomas naquele tempo como o espaço mais valioso da geografia de nossa urbe, seja como recanto de confraternização e de lazer (repito que a televisão ainda não havia chegado a Umuarama, o que só veio a ocorrer na década de 1970), bem como o de despertar na plateia – muitos adultos nunca haviam frequentado uma escola – o requintado gosto pela música instrumental que a maioria desconhecia, afinal a música e outras artes eram privilégio das elites no Brasil do passado.

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

MÚSICA E ALEGRIA NAS TARDES DE DOMINGO

É inevitável que para aplicar uma pitada de tempero a esta crônica acrescento que a população se referia à Banda 26 de Junho como a “Furiosa”. Muitos nem sabiam que o nome oficial era o dia da fundação de Umuarama. Acontece que uma grande parte da legião de colonizadores era oriunda de Minas Gerais, onde por tradição chamam as bandas de música de “furiosas”.

Era uma metonímia exaltando as qualidades de um grupo musical: sonora, veloz, forte, que se fazia ouvir ao longe e que dominava as atenções estivesse onde estivesse… Lá em Minas havia “furiosas” aos borbotões e a fama correu o Brasil. E, como aqui no Paraná havia mineiros em multidões, toda banda que se formava ganhava o apelido de “Furiosa”.

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

Alguns músicos de início não aceitavam de bom grado esse apelido, mesmo que com intenções carinhosas, mas com o tempo foram se acostumando e acabaram aceitando a ideia. Afinal, a voz do povo é a voz de Deus!

Além das pessoas que se aglomeravam na Praça Arthur Thomas, havia outra plateia, que se reunia mais à distância, também frequentadora assídua daquelas antigas retretas. Como era um lugar muito movimentado, considerado “o centro da cidade” e espaço de encontro coletivo nos fins de semana e feriados, ao redor existiam muitos bares, que ficavam lotados de gente bebendo e curtindo o doce fazer nada de um domingo à toa na vida. Sentados, eles formavam um “camarote privilegiado” assistindo tranquilamente o espetáculo com a prerrogativa de um copo à mão com a bebida preferida. Aí já é muita mordomia, né não?!

Foto: Acervo Italo Fábio Casciole

Realmente, tanto aquela antiga praça como a Banda daquele “nosso tempo” eram unanimidades entre todas as idades dos que viveram naquela Umuarama ainda menina, no florescer de seus primeiros anos de vida.

Hoje, quase uma “setentona”, a nossa cidade assim como aquela praça e a Banda, não são mais as mesmas, mas as lembranças fazem com que, no momento em que assim o desejarmos, se possa voltar àqueles antigos domingos para contracenar com os mesmos personagens que agora são histórias e peças indispensáveis para sentir que o ontem só passa se a gente quiser.

Foto: Danilo Martins/OBemdito

Se for a nossa vontade, ele pode ser resgatado na mesma velocidade em que rebobinamos um filme da nossa própria vida. Quando passeio por aquela pracinha nos fins de semana, mesmo tendo sido recentemente modernizada e ter ficado lindamente atraente, sinto que ainda existe aquele fervor de gente embalada pelas notas musicais naquelas agradáveis tardes, mas na realidade o que agora existe mesmo é um lugar vazio e melancólico, sem a banda, sem gente… E o silêncio manda avisar que as tardes de domingo não são mais as mesmas e que a praça, apesar de ainda existir, tornou-se invisível! (ITALO FÁBIO CASCIOLA)

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