Fotos: Acervo Italo Fábio Casciola

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Uma cidade confusa ‘inventada’ em função de uma ferrovia imaginária…

Não previram que o terreno não resistiria à impiedosa erosão que surgiria após o desmatamento…

Fotos: Acervo Italo Fábio Casciola
Uma cidade confusa ‘inventada’ em função de uma ferrovia imaginária…
Ítalo Fábio Casciola
OBemdito
3 de março de 2024 15h16

Até hoje é difícil de entender porque criaram uma cidade num lugar tão acidentado, de solo frágil às chuvas e num território que não era propício para a cafeicultura, em razão do clima e de uma terra desaconselhável para essa cultura agrícola.

Outras perguntas que não calam, nem mesmo meio século depois de ter sido idealizada e fundada Umuarama: se os colonizadores diziam estar preocupados, já naquela época, com o meio ambiente, porque o perímetro urbano no traçado original reservou um mínimo de reserva florestal (um pequeno bosque)? Porque o mapa teve origem por força de um traçado de uma ferrovia imaginária, então resumida apenas a uma estreita trilha no meio da selva?

Qual o motivo que levou os engenheiros a “inventar’ uma cidade em pleno arenito caiuá, sabendo que ela seria aberta e não teria nenhum tipo de infra estrutura de águas pluviais e esgotos, afinal sabiam perfeitamente que o terreno não resistiria à impiedosa erosão que surgiria após o desmatamento?

Essas e outras questões pululam na cabeça deste repórter, depois de anos estudando os bastidores da pré-colonização e das fases que deram sequência a esse período. Tomamos por ponto de partida que a colonizadora Cia Melhoramentos dizia sonhar com uma cidade moderna, inovadora, progressista, no entanto, o que se viu ao longo dos anos foi uma sequência de obstáculos e frustrações vividos tanto pelos habitantes da cidade como peloS colonos que povoaram a zona rural.

Vale frisar que os contraditórios foram aparecendo como uma fileira de peças de um dominó, caindo uma a uma… O traçado que surgiu da prancheta do engenheiro Waldomiro Babkov obedeceu o critério de outras cidades criadas pela colonizadora, como Maringá e Cianorte, plantadas à beira de uma estrada de ferro, fato preponderante para o transporte das colheitas e de passageiros, ciente de que as estradas de terra batida de antigamente eram impossíveis ao tráfego em temporadas chuvosas.

Aqui em Umuarama isso não se repetiu, uma vez que a estrada de ferro parou definitivamente em Cianorte, portanto, o primeiro traçado foi em vão. Ao contrário, os habitantes de Umuarama e região só tiveram, durante a história inteira, apenas um meio de exercer o direito de ir e vir: a velha estrada esburacada, barrenta e de areia em todo o seu percurso, improvisada na própria trilha reservada à ferrovia. Essa situação só veio a melhorar quando foi construída a primeira rodovia asfaltada regional, a PR-323, no final da década de 1970, quase vinte anos depois da abertura das terras neste rincão paranaense…

Umuarama cresceu graças ao valor de sua gente, que fruto do efeito do crescimento nas duas primeiras décadas começou a expandir o perímetro urbano, com projetos indiferentes ao Plano Diretor original, agora em função da rodovia. Aquele, foi desenhado totalmente fora da realidade: a configuração do centro da cidade, como se pode descobrir depois de dedicados estudos nos mapas topográficos, parecia mais apropriado a uma situação topográfica mais plana e, Umuarama, não tem áreas planas.

Com os aclives e declives que encontramos ao passearmos pela cidade, comprovamos que o traçado perdeu a continuidade e, por conseguinte, a legibilidade do espaço urbano. Em outras palavras: Umuarama apresenta um desenho mais geométrico e mais complexo quando se compara a Cianorte e Maringá, porque é bastante fragmentado e dissonante das características do terreno onde a cidade foi instalada em 1953. Isso causa-nos a terrível impressão de que “inventaram” uma cidade sem nunca ter visto o terreno onde ela seria erguida!

Por outro lado, vasculhando atentamente os escritos deixados nos acervos da Cia. Melhoramentos, constatamos que a colonizadora apregoava que procurava localizar suas cidades em local alto, com pelo menos um dos lados em declive, “favorecendo a questão do escoamento das águas pluviais e da salubridade”. Oras, qualquer cidadão que vive aqui constata que isso não acontece de fato: Umuarama tem declives por todos os lados, com longas ladeiras (por onde escorrem as águas das chuvas impunemente e em feroz velocidade) e abundantes “baixadões” (formando imensas lagoas).

Quem viveu (e sofreu) nos anos 1950, 60, 70 e 80 na cidade pode atestar que esse problema constituiu-se em horrível martírio para a população antiga. Esse drama só poderia ter sido evitado se a cidade recém-aberta fosse imediatamente dotada de asfalto e redes de águas pluviais e esgotos, mais isso o próprio repórter é testemunha de que não aconteceu!

Não há dúvidas que, observando o mapa que originou Umuarama, ele é atraente e repleto de linhas bonitas, mas não funcionou na prática. O seu traçado de xadrez, enfeitado com logradouros redondos, retangulares e outras formas encanta à primeira vista. A própria região central comprova isso, mais uma vez, que o Plano Diretor não combina com a realidade do terreno. No final das contas, é uma cidade que não funciona como uma máquina urbana nem como um organismo vivo. Resumindo: exibe uma imagem urbana complicada, de difícil leitura na falta da estrutura evidente que a organize. E isso provoca problemas tanto para o trânsito, como para o escoamento das águas pluviais. Leia-se, como um dos exemplos, a área próxima ao Paço da Amizade (Prefeitura), em pleno Centro Cívico…

De tanto ver e rever essa obra cartográfica, este repórter também se ateve a outros detalhes que parecem imperceptíveis, mas eles existem entre esse emaranhado de linhas geométricas que formam o mapa: o cemitério, que deveria ter sido designado para um lugar plano para evitar o processo erosivo, foi relegado a uma área acidentada. Além disso, acabou figurando numa área central: no projeto original, ele fora desenhado para a periferia, no entanto hoje está a poucos minutos da região central. Como isso aconteceu se a própria colonizadora, quando fundou Umuarama, festejava um traçado urbano para “uma cidade de 200 mil habitantes”?

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Outro detalhe que grita: já repetimos em diversos capítulos desta Trilha que este território era completamente coberto de selva fechada. No entanto, a colonizadora reservou apenas uma pequena área para uma reserva florestal (Bosque Uirapuru). Assim mesmo, ele depois foi partido quase ao meio para construir o Estádio Gigante da Baixada, em 1970. Se compararmos com Maringá, cidade da mesma colonizadora, veremos que Umuarama é um completo deserto: a Cidade Canção é uma verdadeira cidade-jardim, com imensos e diversos “pulmões verdes”, bem ao estilo das atuais “cidades ecológicas”.

Este repórter faz um parêntese: o Bosque dos Xetá só existe graças à sensibilidade do engenheiro Waldomiro Babkov, que bateu o pé perante a diretoria da Cia. Melhoramentos para que essa outra área de mata não fosse derrubada. E foi atendido… Caso contrário, a lembrança de uma floresta pré-histórica estaria resumida apenas ao pequeno Bosque Uirapuru. (Esse pormenor me foi revelado pelos antigos funcionários da Cia. Melhoramentos que trabalharam na urbanização da cidade).

Para dar um basta nesta prosa, resta registrar para a posteridade: muitas vezes, nem mesmo quem vive aqui desde priscas eras consegue ler e entender a imagem de sua própria cidade. É, decididamente, um espaço urbano confuso, num terreno muito desigual por todos os lados. Geométrico, múltiplo e fragmentado pela topografia, foi uma cidade “inventada” sem a organicidade do desenho de Cianorte nem a hierarquia dos elementos urbanos de Maringá ou a unidade formal do núcleo original da velha Londrina.

Mas, resta o consolo de que serve como uma lição a ser considerada no projeto de novas formas urbanas na própria Umuarama, que nestas primeiras décadas de milênio cresce assustadoramente. No final das contas, é isso, nada mais do que isso… (ITALO FÁBIO CASCIOLA)

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