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Ítalo Fábio Casciola Publisher do OBemdito

Italo: A terrível saga de quem chegou a Umuarama de ‘pau-de-arara’

Viagem nestes caminhões era um sofrimento ainda pior do que nas tais ‘jardineiras’ e podia durar mais de um mês

Italo: A terrível saga de quem chegou a Umuarama de ‘pau-de-arara’
Ítalo Fábio Casciola - OBemdito
Publicado em 6 de novembro de 2022 às 14h27 - Modificado em 8 de agosto de 2023 às 14h24
Gastro Umuarama

Assim que a colonizadora Companhia Melhoramentos Norte do Paraná alargou a estrada entre Maringá e Umuarama e deu início às vendas de suas terras aos fazendeiros, teve início uma nova saga: a da corrente migratória interna que chegava “lá do Norte”, como se dizia antigamente.

“Ser do Norte” era vir do Ceará, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Paraíba e, claro, de Minas Gerais, de onde saiu a maior leva de trabalhadores. Todos gente muito simples, que por aqui eram chamados simplesmente de “baianos”, não importasse se falava “uai!” ou “ô, xente!”.

A grande maioria sonhava em enriquecer, ou pelo menos, juntar um dinheirinho para mais tarde poder comprar um pedacinho de chão. Vinham sem um tostão no bolso e nem tinham mudanças, apenas algumas trouxas de roupas, mas muita esperança de se dar bem nesta Terra Prometida.

Essa legião tinha algo em comum: todos eram absolutamente pobres, diria paupérrimos, sem dinheiro algum para pagar uma passagem de “jardineira” (ônibus) ou fretar caminhão para trazer a família e a mudança.

Único recurso para vir do Norte

O único recurso para viajar “lá do Norte” para esta nova fronteira que se abria era vir de “pau-de-arara”, um tipo de transporte coletivo torturante a que se submetiam os migrantes. Esses caminhões “paus-de-arara” eram veículos desumanos e quem viajava neles chegava a chorar de dores pelo corpo inteiro depois de algumas horas de percurso.

Agora, imaginem caros leitores: uma viagem do Nordeste até aqui durava um mês, num trajeto de mais de 3 mil quilômetros. De Minas, já era um pouco mais perto, a metade, mais ou menos…

Cãimbras, dores nos ossos, constante ânsia de vômito sob um calor sufocante debaixo de uma lona e percorrendo uma distância infindável. Por falta de dinheiro, alguns só comiam farofa, mandioca cozida, tomate cru, comprados pela estrada.

Água em tambores era racionada

A água, em tambores, muito quente, era racionada e cada um só podia beber alguns goles, pois, no “pau-de-arara” se acotovelavam dezenas de pessoas, entre homens, mulheres e crianças… Desumano, não disse? Muitos ficavam doentes e, para não atrasar a viagem, eram deixados em pequenas cidades e que cada um se virasse para encontrar um médico ou um hospital.

Os donos desses caminhões tinham hora e dia para chegar ao Paraná, mais precisamente em Umuarama, e nem mesmo o risco de morte de alguém os sensibilizava a aceitar qualquer tipo de atraso. Quando aqui chegavam, geralmente ali na Praça Arthur Thomas, onde funcionou a primeira parada de ônibus, acabava a viagem.

Balcão de empregos

Os migrantes saíam em disparada em direção aos lugares onde os fazendeiros contratavam trabalhadores: alguns bares, armazéns de secos e molhados e serrarias tinham gente de plantão (um tipo de balcão de empregos) para empregar esse pessoal recém-chegado. Outros, que aportavam sem eira nem beira, se espalhavam a pé à procura de emprego, seja aqui no comércio, ou para servir como pedreiro, carpinteiro, carregador de café, para carpir e limpar terrenos…

Na época, aqui ainda não existia Prefeitura, portanto, arrumar uma colocação aqui na cidade de Umuarama, ainda uma pequena vila, era uma dificuldade tremenda. O jeito mesmo era rumar para a zona rural, onde o trabalho pesado na agricultura era tão sacrificado quanto uma viagem de “pau-de-arara” e, o pior, mal remunerado.

Muitas trabalhavam pela comida

Muitos chegavam a trabalhar pela comida e por um teto, até encontrar algo mais promissor. Essa multidão de migrantes chegados “lá do Norte”, a maioria, não fez fortuna por aqui como sonhava. Passou anos a penar na cafeicultura como empregados.

Quando veio a última grande geada – a terrível ‘Geada Negra’ – em 1975, debandaram para outros lugares no maior êxodo da história. E, na mesma situação em que haviam chegado a Umuarama: sem um tostão no bolso…

Outros, felizardos e abençoados pela bendita sorte, aos poucos foram juntando dinheiro daqui e dali até poder comprar um sítio ou uma chacrinha. Rico mesmo, creio que nenhum deles ficou. Só fizeram fortunas as serrarias, as cafeeiras e os fazendeiros que já haviam chegado magnatas e saíram ainda mais ricos… Se hoje os “bóias-frias” que ainda existem no campo não têm perspectiva de progredir, imaginem aqueles sofredores de meio século atrás…

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  • ITALO FÁBIO CASCIOLA é um dos mais experientes jornalistas do Paraná e editor do portal Coluna Italo. Escreve semanalmente para ‘OBemdito’.

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