Sicred
Instituto Nossa Senhora Aparecida
Jaqueline Mocelin Publisher do OBemdito

Umuaramense com anemia falciforme renasce após transplante de medula doada pelo irmão

Silvane comemora a nova vida e conta todo o processo que precisou passar até o renascimento

Robson e Silvane, os 'irmãos tudo' | Fotos: arquivo pessoal
Robson e Silvane, os 'irmãos tudo' | Fotos: arquivo pessoal
Umuaramense com anemia falciforme renasce após transplante de medula doada pelo irmão
Jaqueline Mocelin - OBemdito
Publicado em 25 de outubro de 2022 às 21h05 - Modificado em 26 de outubro de 2022 às 09h18
9 Espetaria
Porto Camargo
Atlanta Pneus
Gastro Umuarama
Cupom Local

Um verdadeiro milagre aconteceu na vida da família de Silvane Mendes Lúcio, de 43 anos. Com diagnóstico de anemia falciforme feito aos 3 meses de idade, ela conviveu a vida toda (pelo menos até agora) com a doença, que causou incontáveis transtornos e idas frequentes ao hospital.

No entanto, há quase um mês a umuaramense renasceu, após ter passado por um transplante de medula que foi doada pelo próprio irmão, Robson Mendes Lúcio, 38 anos, irmão da Silvane. O procedimento aconteceu no Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, e foi o primeiro realizado pela unidade médica.

Silvane conversou com OBemdito na tarde desta terça-feira (25). Na sexta-feira (28) fará um mês desde que o transplante foi realizado pela equipe do médico Volney Vilela, onco-hematologista do Hospital Sírio-Libanês. O renascimento, na verdade aconteceu no último dia 18 de outubro quando aconteceu a ‘pega’, termo designado para quando a medula é aceita pelo organismo e começa a desempenhar sua função normalmente.

Nascida em Umuarama e há 12 anos moradora em Maringá, Silvane é casada com Carlos e mãe de Aylla Eduarda, de 19 anos. Ela conta que após a descoberta da anemia falciforme, quando ainda era bebê, passou por dezenas de tratamentos e procedimentos que mantiveram sua vida praticamente normal até por volta dos 17 anos. Ela conseguia trabalhar, estudar e fazer outras atividades. Porém, depois disso começou a enfrentar problemas mais severos ligados à doença.

A anemia falciforme é uma doença genética e hereditária causada por anormalidade de hemoglobina dos glóbulos vermelhos, que ficam em formato de foice e não de discos como deveriam ser. Esses glóbulos não conseguem passar pelos vasos sanguíneos e impedem a circulação do sangue.

A indicação de ir buscar apoio médico em Brasília aconteceu através de uma ex-patroa, com quem Silvane trabalhou em Umuarama e que tem dois filhos, sendo que um deles atua como oncologista na Capital Federal. “Um dia comentei que teria consulta com um hematologista em São Paulo, pois estava com muitas sequelas e problemas. Essa minha ex-patroa resolveu perguntar se o filho conhecia esse médico e ele disse que era para eu ir para Brasília, pois lá tinha um hematologista muito bom, que inclusive fazia transplante de medula para estes casos”.

Silvane falou que sempre relutou em fazer o procedimento. “Já tive duas indicações de transplante, mas sabia que era algo muito perigoso, com sequelas e riscos, e sempre considerei que não compensava. Na época tinha minha filha mais nova e não imaginava ficar tanto tempo distante dela, mas resolvi me consultar com ele”.

“Chegando lá, o médico disse que eu estava com estágio avançado da doença e que na minha idade era considerada velha para o transplante – estava com 43 anos, quando o normal seria na faixa dos 25 anos. Porém, ele afirmou que não via outra alternativa para meu caso. Mesmo assim eu disse que não tinha ido atrás de transplante e sim de tratamento”, contou.

A umuaramense lembra que o irmão e o marido a acompanharam na viagem, que precisou ser de caro, pois ela usava um cilindro de oxigênio. Foram cerca de 15 horas na estrada. Na consulta ela apresentou Robson ao médico e já foi comentada a possibilidade de um teste de compatibilidade – neste caso o transplante só pode ser feito por parentes em 1º grau.

“Enquanto estava lá em Brasília precisei ser internada por 19 dias, pois fiquei muito mal. Estava com uma crise torácica aguda, que é muito grave nessa doença, mas tenho certeza que isso tudo foi um propósito de Deus. O Robson voltou para Umuarama, buscou minha filha em Maringá e foi novamente para Brasília, onde fez o exame de compatibilidade”.

Silvane teve alta médica, com um cateter bastante invasivo. Ela explica que o exame do irmão deveria demorar entre 15 ou 20 dias para ficar pronto. Entretanto, em uma semana saiu o resultado e o médico passou uma mensagem que o Robson tinha 100% de compatibilidade. “Recebi a resposta de Deus que precisava para dar força. No hospital ficamos conhecido como ‘irmãos muito’, porque tudo foi muito na nossa trajetória. Dificilmente são encontrados irmãos 100% compatíveis”.

Silvane com o médico Volney Vilela

PREPARAÇÃO

Em junho a paciente fez o procedimento para a retirada das células doentes do corpo, sempre com a companhia de Robson e do esposo. Em 19 de setembro os irmãos se internaram para iniciar as fases do transplante. No dia 20 ela começou as sessões de quimioterapia (6 no total), além de mais 2 de radioterapia. “Fiquei muito debilitada, mas não cheguei a perder os cabelos. Tive algumas sequelas, como perda de peso e machucados na boca”, lembra.

Robson foi internado no mesmo setor e a equipe médica deixou 3 dias separados para a coleta da medula. Silvane explica que seriam necessários de 9 a 10% de medula para implantar nela e a expectativa era de que em três dias conseguissem chegar a essa quantidade. “No primeiro dia eles foram analisar a porcentagem e o doutor entrou na sala com cara de surpresa, pois o Robson conseguiu 19,5%. Foi um fato inédito, superando as melhores expectativas”, comemorou.

No dia 28 de setembro foi feita a infusão da nova medula na paciente, que estava imunossuprimida. E assim, a umuaramense se tornou a primeira paciente com anemia falciforme a ser transplantada no hospital Sírio-Libanês de Brasília.

O marido Carlos e a filha Aylla

PÓS-CIRÚRGICO

Após o transplante existe um prazo de 20 dias de espera pela ‘pega da medula’, que é quando realmente será possível saber se o procedimento teve êxito. Silvane conta que no dia 12 de outubro foi feito o exame de contagem de neutrófilos para a verificação. “No dia de Nossa Senhora Aparecida, Ela mais uma vez mostrou que estava cuidando de mim. Precisa ter a contagem acima de 500 e tive mais de 700. Porém, no outro dia baixou e eram necessários dois dias acima de 500 para ter certeza da ‘pega’”.

Contudo, o tão aguardado D20 chegou. Em 18 de outubro a contagem de neutrófilos da paciente chegou a 2.900. “Pegou com força”, disse a OBemdito, em meio a risos. Silvane conta que devido a esta informação maravilhosa, foi recebida pela equipe do hospital ao som de violino e com todos usando camisetas com seu nome e escrito que a medula pegou. “Foi uma emoção muito grande. Depois de dois dias que a medula pegou já tive alta, pois meu corpo reagiu muito rápido”.

Ela está morando temporariamente em Brasília, em uma quitinete. Quem a acompanha é a mãe. Apesar do sucesso do transplante é necessário fazer um acompanhamento rigoroso por 100 dias. Neste período a paciente é submetida a exames frequentes, tendo em vista que o corpo ainda pode reagir contra a nova medula, por se tratar de um corpo estranho que está em seu organismo.

Até o momento todos os resultados têm sido extremamente animadores. O exame feito na última segunda-feira (24) indicou que Silvane está com 97% de células boas e apenas 3% de células doentes. “Antes eu tinha 90% de células doentes. É um fato raro esse meu resultado. A equipe do hospital achou que ficaria com uns 20% de células doentes. Se seguir assim, nem portadora da doença serei mais”, comemora.

A equipe médica comemorando a ‘pega’ da medula

UMA VIDA DE LIMITAÇÕES

Silvane disse que sempre teve uma vida de muitas limitações. “Agora fico imaginando como será lá fora, o que vou fazer. Sempre fui pálida e tive os olhos amarelos. As pessoas chegavam a perguntar se eu tinha hepatite. Nunca gostei de ser conhecida pela doença. Sempre tive uma queda de braço com ela e hoje eu venci. Sempre lutei contra ela e hoje vejo no espelho a mudança, que começa de dentro. Me vejo de olhos brancos, o que é muito diferente e uma das maiores vitórias”, explica.

A umuaramense também já começa a fazer projetos e até mesmo a possibilidade de estudar psicologia. Talvez o mais importante neste momento para ela seja pensar que poderá ver a filha se realizando, tendo sua família.

“Eu sempre quis ter mais filhos, mas a doença impediu. Quando fui para Brasília, o médico me perguntou onde eu me imaginava daqui a 8 anos. Eu disse que minha filha tinha iniciado a faculdade e queria vê-la formada, criando uma família, tendo filhos. O médico me disse que na condição em que eu estava, a doença havia debilitado muito meu corpo e que 8 anos era muito tempo para eu me programar, que talvez eu não tivesse isso”.

Agora a realidade é outra. Silvane já começa a fazer novos planos e lembra que a doença fez todos sofrerem muito, mas a vitória também é de todos. “Vejo que tudo valeu a pena. Quando a gente tem uma doença assim, todos sofrem muito. Então agora a vitória é da família, dos amigos, dos que estão perto”. Ela ressalta que, em virtude da família não ter condições financeiras para arcar com tudo financeiramente, a ajuda dos amigos foi fundamental. Eles se mobilizaram para fazer uma rifa que ajudou a custear seu tratamento.

Robson durante a retirada da medula que foi doada para a irmã

VONTADE DE DEUS E EXÍMIO TRABALHO MÉDICO

A paciente aproveitou para agradecer ao médico e sua equipe. “A gente percebe uma luz nele”, falou sobre o Dr. Volney. “Ele me chamou para lutarmos juntos e eu confiei que ele faria o melhor possível. Um dia eu disse para ele: ‘faça o seu melhor, porque da minha parte, eu costumo superar as expectativas’. E os anjos estavam passando por lá naquele momento e falarem amém”, argumenta.

Para Silvane, tudo o que aconteceu foi através da vontade de Deus. “Quando a gente entrega de coração e fala ‘seja feita a Tua vontade e não a minha’, a força de Deus é muito grande. As vezes ele tenta mostrar, mas a gente não vê. Ele é o médico dos médicos. A previsão dos médicos humanos é de um jeito, mas quem decide e dá a palavra final é Ele”, afirmou.

A umuaramense ressalta que cada dia que está vivendo é uma vitória. “Todo dia que acordo sem dor e sem sintomas, agradeço a Deus. O que me move e me trouxe até aqui foram os planos de Deus. Minha vida é uma superação sempre. Que minha história sirva de esperança para outras pessoas”, finalizou Silvane, que no próximo dia 18 comemora o primeiro ‘mesversário’ de seu renascimento.

O IRMÃO FORTE, RESILIENTE E COMPANHEIRO

Robson foi fundamental em todo esse processo e foi o doador ‘perfeito’. Ele também conversou com OBemdito e disse que a vida de Silvane nunca foi fácil. “Nos últimos meses a qualidade de vida dela estava em uns 10%, ela tinha que ficar com o oxigênio e nós já perdemos um irmão com essa doença. É uma história de longo sofrimento que a família passou e que agora vem com um renascimento”, disse.

O irmão deixou a família em Umuarama temporariamente para acompanhar Silvane. O representante comercial é casado e tem três filhos (do primeiro relacionamento). “Larguei o trabalho, a família e fui acompanhá-la. Desde a primeira consulta até sexta-feira passada, quando tive que retornar para Umuarama”, explica.

Outra superação para Robson está relacionada ao medo de injeções. Para o transplante ele fez diversos exames e no dia precisou colocar um cateter no pescoço, até perto do coração. “Dói bastante, fora isso mais nada. Tenho medo de agulha, foi complicado, mas tudo valeu a pena”, finalizou.

O LADO DO MÉDICO

O site Metrópoles divulgou a história de Silvane e conversou com o médico Volney Vilela, onco-hematologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília. À reportagem o médico explicou que é na etapa de condicionamento que os pacientes correm maior risco devido à queda da imunidade e a ameaça de sofrer a doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD), quando a medula do doador estranha o receptor. “Eles ficam absolutamente sem células de defesa por aproximadamente 15 dias”, afirma.

Com a técnica de condicionamento não mieloablativo aplicada na paranaense, é feita uma imunossupressão forte com radiação corpórea total para retirar a medula antiga e colocar a nova, e pouca quimioterapia, aumentando as chances de sucesso da cirurgia.

“O procedimento foi um sucesso. Ainda há pouca experiência com este tipo de transplante no Brasil: mesmo em centros de referência, temos pouco conhecimento do que vem sendo feito no país para o tratamento cirúrgico da anemia falciforme”, afirma Vilela.

Silvane começou a produzir células saudáveis 20 dias após o transplante. De acordo com o onco-hematologista, é muito provável que a paciente esteja curada e não tenha mais problemas porque a medula não produzirá mais células doentes. “Ela ainda tem algumas sequelas da condição que provavelmente vão se reverter completamente ou em sua maioria no futuro”, conta.

Participe do nosso grupo no WhatsApp e receba as notícias do OBemdito em primeira mão.

Porto Camargo
Uvel