Brasil

Bebês reborn: estamos subindo um novo degrau de loucura ou é só uma recaída?

No início de uma manhã comum em Sorocaba, interior de São Paulo, Maria Clara foi à padaria com sua filha recém-nascida. No caminho, diversas pessoas pararam para admirar a bebê, atraídas pelo seu realismo impressionante — até que perceberam que a “criança” era, na verdade, um bebê reborn, ou melhor, uma boneca. 

Maria Clara, como muitas outras mães de reborns, insiste que merece atendimento preferencial, condição que na maioria das vezes não é bem recebida por gerentes e funcionários de estabelecimentos locais. A mulher é vista como louca por um público incrédulo.

A paulistana não está sozinha. Marisa, outra entusiasta de bebês reborn, moradora de Curitiba, levou sua boneca ao pronto-socorro após uma “emergência” durante a noite. A recepcionista, perplexa, foi direto ao ponto: “Isso é um bebê de verdade?”. 

A resposta afirmativa de Marisa e sua insistência em esperar pelo atendimento evidenciam o nível de envolvimento emocional dessas mães de reborns.

Outra história peculiar é a da carioca Juliana. Ela se afastou do trabalho após o que descreveu como uma “noite difícil” com seu bebê reborn. A justificativa rendeu olhares curiosos e algumas risadas dos colegas. Mas Juliana foi firme: “Ela é minha filha”.

O compromisso é tamanho que a auxiliar de escritório até considera entrar na Justiça para obter direitos trabalhistas para mães de reborns.

Em Divinópolis, no interior de Minas Gerais, o padre Chrystian Shankar negou-se a batizar uma bebê de silicone. Em tom bem humorado, o pároco disse que não faz batizados ou primeira comunhão, tampouco “oração de libertação para bebê possuído por um espírito reborn”.

Shankar afirmou que “tais situações devem ser encaminhadas ao psicólogo, psiquiatra ou, em último caso, ao fabricante da boneca”.

Quanto custa um bebê reborn

A crescente febre por bebês reborn no Brasil reflete uma onda que vê adultos dedicando tempo, recursos e emoção às bonecas. As reborns, com seus traços extremamente realistas, podem ser compradas por valores que variam de R$ 1.000 a R$ 15.000. Feitas de forma artesanal, cada boneca promete singularidade à sua “mãe” ou “pai”.

Se os papais quiserem uma experiência mais completa, há imersões em que a boneca (ou boneco) é retirado de um objeto que reproduz uma placenta humana. Tudo feito por vendedores devidamente capacitados, como se fossem médicos e enfermeiros. O reborn é entregue com a primeira roupinha e cheirinho de recém-nascido.

Necessidades emocionais

O fascínio por essas bonecas está profundamente ligado a necessidades emocionais, criativas e terapêuticas. Um estudo da Universidade de Toronto revelou que adultos interagem com esses reborns para estabelecer vínculos emocionais e vivenciar benefícios significativos, como conforto e autoexploração.

Mas há outros motivos. O psiquiatra Raphael Boechat Barros, da Universidade de Brasília, explica que algumas pessoas se apegam a esses bebês como colecionadoras, revivendo vivências da infância. Além disso, a popularidade nas redes sociais estimula o interesse, criando um efeito cascata.

Padre Fábio de Melo e sua reborn: ele foi um dos precursores na ‘adoção’

Padre Fábio de Melo na mistura

O crescimento desse fenômeno também pode ser atribuído, em parte, a celebridades como o padre Fábio de Melo, que participou de um programa de TV falando sobre a conexão emocional que essas bonecas podem proporcionar, trazendo um nível inesperado de atenção a esse fenômeno. Suas declarações foram compartilhadas amplamente, gerando interesse e curiosidade.

Em Sorocaba, o prefeito local defendeu a criação de um espaço de convivência especial para pais de bebês reborn durante eventos municipais. A ideia, além de gerar manchetes, provocou debate intenso sobre a necessidade e os custos associados a tal iniciativa.

O que explica a obsessão?

Para muitos, a busca por conforto emocional, expressão criativa e benefícios terapêuticos são razões válidas para investir em reborns. Pesquisas como a da Universidade de Toronto destacam como a interação com essas bonecas pode proporcionar um senso de bem-estar e autoexploração.

Entretanto, os motivos variam: colecionismo, nostalgia infantil ou mesmo uma resposta a quadros de solidão e insegurança. 

A psicóloga Deyse Sobral observa que a criação de vínculos de fantasia com reborns pode ser um mecanismo de defesa, afastando-se de conflitos reais e mantendo uma falsa sensação de controle.

Os especialistas enfatizam a necessidade de avaliação individual. “Se o envolvimento com uma boneca reborn começa a impactar negativamente o dia a dia, talvez seja hora de procurar ajuda profissional“, ressalta Raphael Boechat.

Deputados reagem aos ‘pais’ de bebês reborn

O assunto chegou à Câmara dos Deputados. Quatro projetos de lei sobre bonecos realistas foram apresentados em apenas dois dias. O deputado Zacharias Calil (União-GO) quer multa de até 20 salários mínimos para quem obter acesso a prioridades ou benefícios garantidos a pessoas com bebês de colo reais.

Rosângela Moro (União-SP) propõe a abertura de vagas de tratamento psicológico para acolher homens e mulheres com sofrimento mental decorrente de vínculos intesos com bebês reborn. 

O deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) pede punição aos profissionais que atenderem esses bonecos nas unidades de saúde públicas e privadas, inclusive naquelas conveniadas ao Sistema Único de Saúde. O profissional pode até ser demitido, se a proposta passar no plenário.

Enquanto para alguns, os bebês reborn são um hobby inofensivo ou uma forma de terapia, para outros, podem se tornar um vício debilitante. A crescente popularidade dessas bonecas no Brasil levanta questões importantes sobre nosso entendimento de conexão emocional, saúde mental e a linha tênue entre realidade e fantasia na vida adulta.

Leonardo Revesso

Graduado em Direito pela Unipar, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e especializando em Neurociência do Consumo pela ESPM. Tutor da Olívia, da Ludi e da Mila. Está no jornalismo há 27 anos (iniciou aos 15). No OBemdito escreve sobre política e consumo.

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