Paraná

Com orientação do TCE, município de Andirá realiza doação de imóveis com encargos

Município pode realizar a doação de imóveis com encargos, desde que sejam cumpridos os requisitos previstos na legislação regente – autorização em lei, interesse público devidamente justificado, prévia avaliação e realização de procedimento licitatório; não seja possível ou mais vantajosa a utilização da concessão real de uso; e que o imóvel não seja proveniente de desapropriação.

Não é possível a previsão de compra do imóvel pelo donatário, pois o instituto da doação já tem como efeito jurídico a transmissão da titularidade da propriedade.

Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Andirá (Norte Pioneiro), por meio da qual questionou se o município poderia realizar doação de imóveis com encargo e, além de cláusula de reversão, prever a possibilidade de compra do imóvel após determinado período.

Instrução do processo

O parecer jurídico da Procuradoria Municipal de Andirá concluiu que, se é possível realizar uma licitação para alienação de um bem imóvel, também é possível realizar um certame para doação de imóvel com encargos.

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o município pode realizar a doação de imóveis com encargos desde que sejam cumpridos os requisitos previstos na legislação regente, caso não seja possível ou mais vantajosa a utilização da concessão real de uso e o imóvel não seja proveniente de desapropriação. A unidade técnica destacou que não é possível a previsão de compra do imóvel pelo donatário, pois a doação já transmite juridicamente a titularidade da propriedade.

A CGM ressaltou que a propriedade passa a integrar definitivamente o patrimônio do donatário se for cumprido o encargo; e retorna ao patrimônio do doador, caso descumprido. Além disso, frisou que, nos casos em que o poder público previamente desapropria por utilidade pública imóvel destinado à construção ou ampliação de distritos industriais, a própria lei impõe a necessidade de posterior revenda ou locação.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) entendeu que não é possível a inclusão de cláusula de compra e venda no mesmo instrumento em que se faz a doação com encargos, pois os institutos são incompatíveis entre si.

O órgão ministerial ressaltou que a resolução da doação pressupõe o descumprimento dos encargos pelo particular ou o fim das obrigações que embasavam o interesse público na relação; e a compra e venda pressupõe a desafetação de imóvel que não está vinculado a nenhuma finalidade pública específica.

Legislação, jurisprudência e doutrina

O inciso II do artigo 22 da Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar sobre desapropriação. As normas gerais que tratam de desapropriação são o Decreto nº 3.365/41 e a Lei Federal nº 4.132/62.

O artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41, alínea “i” e parágrafo 1º, considera caso de desapropriação por utilidade pública aquela destinada a viabilizar a construção ou ampliação de distritos industriais, o que inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas.

O parágrafo 4º do artigo 5º desse decreto, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, expressa que os bens desapropriados para esse fim e os direitos decorrentes da respectiva imissão na posse poderão ser alienados a terceiros, locados, cedidos, arrendados, outorgados em regimes de concessão de direito real de uso, de concessão comum ou de parceria público-privada e ainda transferidos como integralização de fundos de investimento ou sociedades de propósito específico.

O artigo 4º da Lei Federal nº 4.132/62, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação, fixa que os bens desapropriados serão objeto de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista.

O artigo 17 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) estabelece que a alienação de bens da administração pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação. O parágrafo 4º desse artigo expressa que a doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato.

O parágrafo 6º do artigo 76 da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações) ratificou as disposições do parágrafo 4º do artigo 17 da Lei nº 8.666/93.

De acordo com as disposições do artigo 38 do Código Civil, entende-se como doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Segundo a jurista Maria Helena Diniz, a doação é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, visa transferir do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita.

A Súmula nº 1 do TCE-PR fixa a preferência pela utilização da concessão de direito real de uso, em substituição à maioria das alienações de terrenos públicos, em razão de sua vantajosidade, visando fomentar a atividade econômica, observada prévia autorização legislativa e licitação na modalidade concorrência, exceto nos casos previstos no artigo 17, inciso I, alínea “f”, da Lei nº 8.666/93. Caso o bem não seja utilizado para os fins consignados no contrato pelo concessionário, deverá reverter ao patrimônio público.

Em sede de Consulta, o Acórdão nº 5330/2013 – Tribunal Pleno do TCE-PR dispõe que a preferência pela concessão real de uso de imóveis públicos é vantajosa pela proteção ao direito de propriedade que permanece com o ente federativo, garantindo a conservação do patrimônio público; a doação com encargos pode ser utilizada apenas em hipóteses excepcionais, quando constatada a impossibilidade ou a não vantajosidade da concessão real de uso; a doação com encargos e a concessão real de uso devem ser precedidas de licitação; no caso de doação com encargos, o edital da licitação deverá prever os encargos, o prazo para cumprimento, cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato; e a necessidade de fixação de políticas públicas, orientando e garantindo o cumprimento do fim pretendido com o imóvel.

O Acórdão nº 1730/18 – Tribunal Pleno (Consulta nº 611500/16) fixa o entendimento de que os bens imóveis desapropriados por utilidade pública ou interesse social não podem ser doados a particulares como forma de incentivo à instalação ou ampliação de empresas privadas.

O Acórdão nº 1830/22 – Tribunal Pleno (Consulta nº 48565/22) estabelece que município não pode doar imóvel desapropriado como forma de incentivo. Portanto, não é possível que, por meio de lei municipal, seja efetuada a desafetação de imóvel desapropriado, por utilidade pública ou interesse social, para promover a sua doação por meio de outorga da escritura pública definitiva depois da concessão de direito real de uso.

Ainda conforme esse acórdão, a inviabilidade decorre do entendimento firmado pelo TCE-PR por meio do Acórdão nº 1730/18 – Tribunal Pleno (Consulta nº 611500/16); e da impossibilidade de o município, por meio de seu Poder Legislativo, alterar normas legais que tratam de desapropriação, previstas no Decreto nº 3.365/41 e na Lei Federal nº 4.132/62, sob pena de caracterização de grave inconstitucionalidade.

Em seu voto no processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 731 do Supremo Tribunal Federal (STF), relativo a uma norma municipal que usurpava competência legislativa da União, a ministra Cármen Lúcia concluiu que a competência dos municípios para legislar sobre interesse local não os autoriza a estabelecer normas que veiculem matérias atribuídas constitucionalmente à União.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, lembrou que a Lei nº 8.666/1993 deixa clara a possibilidade de realização de doação com encargo para a alienação de bens públicos; e que a Nova Lei de Licitações manteve esse posicionamento. Além disso, ele frisou que o TCE-PR tem entendimento jurisprudencial sumulado, aplicável de forma geral e vinculante aos processos em trâmite no Tribunal, que condiciona a alienação de bens públicos por meio da concessão de direito real de uso, o qual é reforçado por resposta oferecida pela Corte de Contas a Consulta.

Assim, Amaral afirmou que há jurisprudência no âmbito do TCE-PR quanto à possibilidade da utilização residual da doação com encargo somente quando for demonstrado que não é vantajosa a concessão de direito real de uso.

O conselheiro ressaltou que, caso os encargos tenham sido adimplidos dentro do prazo, a propriedade do donatário é plena. Caso contrário, a propriedade do imóvel retorna ao ente estatal doador.

O relator destacou a impossibilidade de doação a particulares de imóveis que tenham sido desapropriados por utilidade pública ou interesse social, pois nesse caso a lei somente admite a sua venda ou locação.

Portanto, Amaral entendeu que município pode realizar a doação de imóveis com encargos, desde que sejam cumpridos os requisitos previstos na legislação regente; não seja possível ou mais vantajosa a utilização da concessão real de uso; e o imóvel não seja proveniente de desapropriação. Ele também concluiu que não é possível a previsão de compra do imóvel pelo donatário.

Os conselheiros aprovaram por unanimidade o voto do relator, na Sessão de Plenário Virtual nº 14/23 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 3 de agosto. O Acórdão nº 1830/22 – Tribunal Pleno, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 10 de agosto, na edição nº 3.040 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

Redação

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