Paraná

Famílias seguem na Fazenda Santa Fé enquanto defesa recorre e Incra avalia compra

Mesmo após decisão judicial favorável aos proprietários, famílias ligadas a movimentos sociais permaneciam na Fazenda Santa Fé, em Xambrê, na manhã desta terça-feira (30). A área foi ocupada desde sábado (27) por cerca de 250 pessoas vinculadas à Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e ao Movimento Terra e Alimento (MTA).

No fim da tarde de segunda-feira (29), o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) concedeu liminar determinando a reintegração imediata de posse da fazenda, localizada na Estrada Cascata. A decisão, no entanto, ainda não havia sido cumprida até a publicação desta reportagem, enquanto o impasse jurídico e institucional seguia em debate.

A Fazenda Santa Fé tem 942 hectares, fica próxima a uma grande área de mata nativa e é administrada pela Associação Colaboradores do Brasil (Colab). Segundo a entidade, a propriedade mantém atualmente cerca de 2 mil cabeças de gado, fator considerado pelo Judiciário para caracterizar a urgência da medida.

Decisão em regime de plantão

A liminar foi concedida pelo desembargador Péricles Bellusci de Batista Pereira, durante o plantão judiciário do recesso forense. A decisão atendeu a recurso apresentado pela Colab após a Justiça de primeira instância não conceder a medida de urgência.

No despacho, o magistrado reconheceu a ocorrência de esbulho possessório, destacando o ingresso coletivo na área e os riscos associados à permanência da ocupação.

“A urgência se manifesta de forma latente, não apenas em razão da presença dos animais, mas também para evitar o agigantamento de uma situação já delicada”, afirmou o desembargador.

A ordem judicial autoriza o cumprimento da reintegração com reforço policial e determina comunicação imediata ao juízo de origem.

Defesa da Colab

Advogado da Colab, Paulo Cesar de Sousa afirmou que, inicialmente, havia a expectativa de que o tema fosse tratado apenas após o recesso do Judiciário, mas que a situação exigiu análise imediata.

“Houve uma compreensão inicial de que o caso poderia ser discutido na próxima semana, mas demonstramos que a permanência da ocupação inviabilizava o cuidado com aproximadamente 2 mil animais. Isso poderia caracterizar crime de maus-tratos, o que levou o Tribunal a analisar o pedido de forma urgente”, disse.

O advogado também reforçou que a propriedade já foi vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e considerada produtiva.

A área foi ocupada desde sábado (27) por cerca de 250 pessoas vinculadas à Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e ao Movimento Terra e Alimento (MTA)

“O Incra já reconheceu a fazenda como produtiva, o que afasta a possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Esse entendimento foi consolidado em discussões administrativas e judiciais anteriores”, afirmou.

Famílias permanecem e defesa anuncia recurso

Apesar da liminar, a ocupação seguia ativa nesta terça-feira. A reportagem do OBemdito esteve na Fazenda Santa Fé entre a manhã e a tarde de segunda-feira (29) e constatou a presença de barracas, cozinha coletiva e homens, mulheres e crianças no local. Parte das famílias já vivia há até 12 anos em uma área próxima, conhecida como acampamento Monte Sinai.

Dos quatro funcionários da fazenda, apenas um caseiro permanecia no local com a família para cuidar do gado.

Advogada dos movimentos, Amanda Mackert dos Santos afirmou que irá recorrer da decisão judicial. Segundo ela, a defesa se fundamenta em manifestações da Defensoria Pública do Paraná e em normas nacionais e internacionais de direitos humanos.

“Minha principal preocupação são as vidas de crianças, idosos, pessoas com deficiência e cadeirantes que se encontram abrigadas na ocupação. Qualquer medida precisa observar protocolos humanitários e o regime de transição previsto pelo STF”, declarou.

A Defensoria Pública do Paraná, por meio do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb), protocolou embargos de declaração com pedido de suspensão da reintegração. O órgão aponta omissões na decisão liminar, como a ausência de intimação prévia da Defensoria e a não observância da ADPF 828 do Supremo Tribunal Federal e da Resolução nº 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tratam da mediação em conflitos fundiários coletivos.

Mediação e possível compra pelo Incra

Ainda na tarde de segunda-feira, uma reunião extraordinária da Comissão Estadual de Mediação de Conflitos Fundiários (CE-MCF) reuniu representantes da Defensoria Pública, do Incra, do governo estadual, dos movimentos sociais e da defesa das famílias.

Barracas seguem montadas na Fazenda Santa Fé, onde famílias permanecem mesmo após decisão judicial de reintegração de posse

Durante o encontro, o superintendente regional do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, informou que a autarquia reconhece a reivindicação das famílias e sinalizou que, havendo interesse dos proprietários, o imóvel pode ser adquirido por meio do mecanismo de compra e venda previsto no Decreto nº 433/1992, para fins de reforma agrária.

A comissão deliberou pelo encaminhamento do caso à Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-PR, com o objetivo de buscar uma solução mediada e evitar o agravamento do conflito.

Acompanhamento policial

Desde o início da ocupação, equipes do 25º Batalhão da Polícia Militar, com sede em Umuarama, permanecem no local para garantir a segurança e evitar confrontos.

Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (Sesp) informou que acompanha a situação e que, até o momento, não houve necessidade de intervenção.

“A Polícia Militar do Paraná permanece no local com o objetivo de garantir a segurança, preservar a ordem pública e evitar conflitos. Até o momento, nenhuma intercorrência foi registrada”, informou a pasta.

Histórico da fazenda

Criada nos anos 1950 por missionários norte-americanos, a Fazenda Santa Fé teve origem ligada a projetos religiosos, agrícolas e sociais. Segundo a Colab, a propriedade foi responsável por ações comunitárias, investimentos em educação e infraestrutura antes de migrar para a pecuária de corte.

Registros históricos indicam que o local nasceu do projeto do missionário George Hartley Pidcoke, que idealizava a área como reserva ecológica e orfanato. Uma das casas da fazenda foi construída para essa finalidade nos anos 1960. Pidcoke viveu na propriedade até 2016, um ano antes de morrer. O missionário Maurício Sand e sua esposa, Verna Sand, também ligados à missão, estão enterrados na capela da fazenda.

(Com imagens de Vagner Dalaporte/OBemdito)

Rudson de Souza

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